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Leitura Complementar - Thomas Hobbes Sobe Os Morros Cariocas


"Thomas Hobbes ficou célebre por defender , no Leviatã (1651), um Estado dotado de amplos poderes diante dos súditos . [...] Por isso mesmo, ainda hoje boa parte da imprensa usa a imagem do Leviatã quando quer acusar um governo de oprimir os cidadãos ou empresas. Que lição daria Hobbes , então, aos governantes que se defrontam com a criminalidade nos morros do Rio [...] ? Pois errará quem responder que o Leviatã deveria usar a força para reprimir , a qualquer custo, as legalidades paralelas , os Estados dentro do Estado. [...] Basta o soberanos deixar de garantir a ordem que resguarda essa pessoa da violência para que ela [essa pessoa] seja dispensada de lhe obedecer . [...] Não é essa situação [...] nos morros do Rio ? O crime organizado já não se limita a fazer o policiamento de fato , nem a controlar o lazer - carnaval , quadras de esporte . Vemos , agora , que até a economia tem sua rede paralela , a das poupanças abertas em bancos informais . Lazer , trabalho , capital dependem dele. Ele dita a ordem na favela . O pequeno crime , com isso, recua. Não são sinais de que um poder alternativo de Estado se constitui no morro ? Ninguém deve , claro , alegrar-se com isso. Se o crime organizado montou seus pequenos Estados , é porque faz guerra a boa parte da sociedade , fora e dentro de sua base territorial. Fora , assalta e sequestra ; dentro , reprime dissidentes. Não tendo prisões, aplica com frequência a pena de morte ; não tendo tribunais , aplica-a arbitrariamente. O Estado brasileiro não pode tolerar essa situação , que é a de um poder paralelo criminoso [...]. Mas, por isso mesmo, será um erro propor que o Estado elimine tais quadrilhas por uma ação apenas física. Faz tempo que o grande crime deixou , no Rio como em Nova York ou na Colômbia , de ser problema de força e tornou-se questão de poder. Questões de força bruta são fáceis de se resolver. Basta chamar uma força superior - a polícia ou, na sua falência , as Forças Armadas - e se domina o criminoso. [...] Devemos ter cuidado com a fantasia de que uma intervenção militar resolveria o problema dos poderes paralelos ou da guerra civil em curso. A alto preço , o de massacres , por um tempo se conteria a criminalidade mais visível. Mas , nos territórios nada ocupará, tão cedo , o seu lugar. O uso da força bruta pode ser necessário , mas insuficiente ; tem de ser apenas o complemento de uma política difícil , cara, complicada , de introdução de novas redes de poder no interior das favelas : redes que tenham por traço essencial pertencerem ao poder público , civil , democrático.

-Ribeiro , Renato Janine. O Estado de S. Paulo. 2 out. 1993. Caderno Cultura.


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